Rock In Rio é a cara do rock atual: puro circo



Não deixa de ser simpático que o fator coxinha do Rock In Rio ainda provoque estranhamento. Que ainda cause certa indignação um suposto desvirtuamento estético do Rock In Rio com as Claudia Leittes da vida. Que ainda se procure no rock algum traço de rebeldia e contestação anti-corporativa.

Essas reações são simpáticas porque mostram que sobrevive a crença de que o rock tem algo a ver com valores contraculturais e transgressores. Infelizmente, não tem. Isso está em outro lugar.

Como foi bem lembrado nas últimas semanas, já se vão 20 anos desde a última vez em que o rock encarnou esses valores de verdade. Nome e endereço: Nirvana e seu álbum Nevermind.

Este álbum e a legião grunge/alternativa que navegou no seu vento provocaram uma reviravolta autêntica na juventude e cenário musical dos EUA (com paralelo no punk inglês de 15 anos antes, como bem lembrou o Sonic Youth no tíutlo de seu clássico documentário 1991: The Year That Punk Broke – O ano em que o punk estourou)

Mas, mesmo nesse momento tão intenso e transformador, a capitulação e assimilação pela indústria foi rápida e impiedosa.

(A onda rave/eletrônica, apesar de ter começado antes, levou mais tempo para ser domesticada, graças a sua propagação difusa e falta de estrelas e “produtos” óbvios como álbuns e turnês. Na Inglaterra, em exemplo repetido depois em muitos países, o enorme setor “informal” desse movimento só foi freado, ainda que não totalmente, com a introdução de leis draconianas e policialescas)

Veja aqui 50 músicas eletrônicas que marcaram 1991

Kurt Cobain, sempre disposto a atitudes extremas para provar que não iria se entregar tão facilmente, suportou o tranco por três anos. Acabou como bem sabemos. Um mártir que serviu à causa, sim, mas também mais um para ajudar a girar a milionária indústria de tributos, homenagens e lançamentos post mortem do rock.

Eu assisti ao incrível show que o Nirvana deu no Brasil em 93, no Hollywood Rock. É claro que hoje eu penso nele como sendo incrível por causa de sua importância histórica. Mas, na época, me lembro de ter gostado mais do seu significado do que da música em si. Foi um show reconhecidamente instável e caótico. Mas foi um puta show de rock, no sentido transgressor do termo.

Além do show “normal”, com músicas difíceis de serem reconhecidas e a gloriosa cuspida de Kurt na câmera da Globo, veio depois a “jam”, com covers, divagações e uma sensação de anarquia e descontrole. Quando acabou, tinha sobrado um punhado de gente na plateia. Noventa por cento do povo, certamente decepcionado por não ter sido “levado ao delírio” pela banda do momento, não teve saco e não entendeu aquela trip do “foda-se”, aquela auto-imolação em praça pública.

No Rock In Rio 2011 entende-se tudinho: João Gordo sendo chamado de “traidor do movimento”; a máscara de Hannibal Lecter do cara do Slipknot; os urros do Lemmy; o beijo que a Katy Perry deu num desconhecido; a peruca da “tia” Elton; a “atitude” do NX Zero; as tatuagens “iradas” do Dinho Ouro Preto; os solos de guitarra, baquetas voando, distorção, pauleira, pulos, palavrões, caretas, cabelos ao vento, dentes cerrados, roupas pretas, meninas de sutiã, bandeiras do Brasil, flertes satanistas, reboladas sexy, o vídeo anti-drogas, a cerveja oficial, “rock’n'roll”, espetáculo, showbiz, circo…

“Here we are now, entertain us!”

Nirvana no Hollywood Rock, São Paulo, 1993

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